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sábado, 12 de abril de 2008

Os últimos dragões

Publicada por Unknown



Confinados em algumas ilhas da Indonésia, os maiores lagartos do mundo representam uma excepção como principais predadores de um nicho ecológico, título que quase sempre cabe aos mamíferos.

Um pai e os seus dois filhos sentaram-se na selva, para escolher a madeira que tinham acabado de cortar. O calor húmido, o silêncio e a monotonia do trabalho tinham relaxado tanto a sua atenção que nem sequer repararam no lagarto gigante. Aparentemente saído do nada, o monstro avançou chicoteando a língua bifurcada, arrastando o longo e tenso corpo de 2 metros. Quando os três dispararam em fuga, um dos rapazes tropeçou num galho baixo e infelizmente caiu. O monstro agarrou-o pelas nádegas e com uma dentada arrancou um enorme naco de carne. Antes que desse uma segunda dentada, o lagarto foi afugentado, mas o dano já estava feito. O jovem sangrou durante meia hora e morreu diante do olhar desesperado do irmão e do pai.

Esta cena dramática não está em nenhum livro de ficção. É um facto real, narrado pelo biólogo e especialista em evolução Jared Diamond, da Universidade da Califórnia, na revista americana Discover. O monstro ardiloso e faminto que ele descreve mora nas densas florestas quentes da Indonésia e vive até 100 anos. Os cientistas referem-se a ele como Varanus komodoensis, ou simplesmente "monitor" (um dos vários grupos de lagartos do planeta). Na boca do povo, a voracidade do grande caçador valeu-lhe o apelido de "dragão". A expressão dragão de Komodo veio da ilha onde foi identificado pela primeira vez, em 1910.Seja qual for o nome, trata-se do maior lagarto do mundo, que na maturidade alcança 3 metros de comprimento e 135 quilos de peso. Acostumado a comer pequenos mamíferos, ele não despreza uma vez por outra um bom prato de humanos, sobretudo na idade adulta. Além do infeliz filho do lenhador, relatam-se vários casos de camponeses indonésios devorados e mesmo alguns turistas europeus. Quando foi descoberto, no começo do século, o dragão de Komodo intrigou os cientistas. Eles perguntavam-se sobre o motivo de terem persistido no mundo animais primitivos e pecilotérmicos que não possuem mecanismos próprios para aquecer o corpo. Afinal, as vantagens dos animais de sangue quente são várias e claras. Os mamíferos podem correr muito mais rápido e por mais tempo, o que ajuda muito na perseguição às presas. Além disso, os mamíferos crescem em ritmo mais acelerado que os répteis, podem caçar à noite e não dependem de longos banhos de sol para obter energia. É digno de nota, portanto, que o mundo tenha mais répteis do que mamíferos, em número de espécies. É ainda mais intrigante que o monitor de Komodo seja o líder de um nicho ecológico o maior predador da região onde vive , quando em quase todo o mundo esse posto cabe a leões, tigres, ursos ou lobos. Ou seja, mamíferos de sangue quente.

Atribui-se ao zoólogo Walter Auffenberg, da Universidade da Flórida. a solução de alguns desses enigmas. Antes de mais nada, o dragão não vive apenas em Komodo, que é uma entre as diversas pequenas ilhas dominadas por ele. As três maiores são Celebes, Timor e Flores: esta última, aliás, possui muito mais indivíduos que todas as outras. Visto desse ângulo, um nome mais correcto seria "dragão de Flores e ilhas vizinhas" se não fosse tão sem sentido. Auffenberg verificou que, devido ao baixo metabolismo, o dragão de Komodo é um bicho lento e cansado por natureza. Os mais rápidos chegam a, no máximo, a 11 quilómetros por hora e não aguentam correr mais do que algumas dezenas de metros. Não atacam de noite, período em que se escondem em buracos para se manter aquecidos, e passam a manhã estendidos preguiçosamente ao sol.

Essa presumível indolência pode sugerir que ele seja um péssimo caçador. Ledo engano. Ao sair do ovo, o dragão tem cerca de 30 centímetros e pesa apenas 90 gramas. Mas, na idade adulta, alguns ultrapassam 3,30 metros e excedem 230 quilos. Esse crescimento todo não vem de nenhum lugar, senão de boas refeições. Para um dragão bebé, a boa refeição" pode estar numa simples árvore. Ou melhor, nos insectos que nela habitam. Já os de médio porte adoram ratos e pássaros E os maiores deliciam-se com veados selvagens ou então porcos, cabritos e cavalos. Estes últimos são criados para subsistência pelos moradores das ilhas. Daí surge uma verdadeira guerra entre o homem e o réptil, que ataca sorrateiramente os terreiros das pequenas propriedades. E uma curiosidade: quando falta alimento, os dragões não hesitam em tornar-se canibais, deglutindo exemplares da sua própria espécie, os filhotes em primeiro lugar. Nas caçadas, o lagarto mostra a sua esperteza. Incapaz de manter uma longa perseguição, como fazem leões ou lobos, ele usa inteligentes tácticas. Prepara emboscadas, aproximando-se furtivamente ou esperando na berma dos trilhos naturais, até que a presa passe por perto. Só então desfere o seu ataque. Tem também uma aguçada capacidade para encontrar fêmeas grávidas, das quais rouba as crias, assim que elas nascem, enquanto a mãe ainda está sem forças para defendê-los

Além de matar as vitimas para imediata degustação, o monitor de Komodo costuma varrer a floresta em busca de animais mortos, em decomposição, tal qual fazem as hienas na savana africana. A diferença é que elas aproveitam restos de animais abatidos por leões e outros predadores, enquanto os lagartos comem a carniça das suas próprias presas. Isso acontece porque nem sempre eles se dão ao trabalho de ir até o fim numa caçada. Às vezes, os lagartos apenas ferem a sua vítima e deixam-na fugir, confiando que ela morra em algumas horas.

A garantia de que o animal atacado vá realmente morrer vem dos seus dentes. Extremamente afiados "como os dos mais perigosos tubarões", segundo Jared Diamond eles causam fluentes hemorragias. Como se isso não fosse suficiente, também agregam bordas de bactérias agressivas, que contaminam a vítima da dentada. Mais cedo ou mais tarde, ela sucumbe pela falta de sangue ou por uma virulenta infecção. Depois, basta ao dragão usar o seu apurado faro para encontrá-la. Ele é capaz de sentir o cheiro de carne em decomposição a quilómetros de distância. E não é preciso ser um dedicado pesquisador para perceber isso. Os guias de turismo da Ilha de Komodo há muito tempo costumam expôr cabras mortas ao sol tropical para atrair os lagartos até à vista dos visitantes. Sem contar que, uma vez por outra, os moradores se deparam com os lagartos a revirar o cemitério da vila.

Ver um dragão de Komodo a comer é uma verdadeira aula de como não se comportar à mesa", diz Jared Diamond. O lagarto come atabalhoadamente, em grandes dentadas, sem mastigar e babando-se para todos os lados. Certa vez, os cientistas observaram um dragão de 50 quilos devorar um porco inteiro de 31 quilos em apenas 17 minutos. Outros podiam ingerir 2,3 quilos de carne por minuto. Toda essa pressa tem razão de ser. É essencial terminar a refeição antes que outro lagarto espertinho sinta o cheiro e apareça para jantar. Aí também surge uma diferença em relação às hienas. Ao contrário das carniceiras africanas, o dragão da Indonésia come também os ossos do animal abatido, incluindo o crânio, com dentes, chifres e o que mais houver.

As duas questões que mais desafiam os estudiosos, no entanto, referem-se ao passado do monitor de Komodo e, para elas, só existem teorias, por enquanto. A primeira: o que comiam os antiquíssimos répteis háalguns milénios atrás? Hoje, eles parecem perfeitamente adaptados ao seu habitat. Mas os porcos, cabras, veados e cavalos não existiam em Flores, Komodo, Celebes e Timor, até serem introduzidos pelo homem. E certamente a população de ratos e pássaros não seria suficiente para proporcionar a evolução de tamanha comunidade. A resposta pode estar em fósseis de elefantes achados em Flores nos últimos anos. Não exactamente os elefantes de hoje em dia, mas duas espécies extintas, uma semelhante aos mamutes, e outra de elefantes anões, chamados "pigmeus". Esses mamíferos teriam garantido o alimento aos répteis até à chegada dos caçadores humanos à ilha, dizimando os paquidermes. Para alívio dos dragões, enquanto acabavam com os elefantes, os humanos traziam para as ilhas animais domésticos e selvagens que acabariam por se multiplicar e garantir o seu sustento.A segunda questão: por que motivo, nenhum mamífero tomou para si o topo da escala de predadores, como ocorre nas servas de todo o mundo? Por que motivo não existem leões, tigres, ursos ou lobos nas quatro ilhas? O paleontologista Tim Flanery formulou a melhor hipótese, usando a sua terra natal, a Austrália, como base do raciocínio. Naquele país, quem dita as ordens são os répteis, sobretudo as cobras. Mas nem sempre foi assim. Fósseis demonstram que numa fase do Pleistoceno (época que durou até há 10 000 anos) havia pelo menos um marsupial de bom tamanho, chamado lobo-da-tasmânia (não confundir com o diabo-da-tasmânia, que é um tipo de marsupial da família Dasyuridae). Além disso, por incrível que possa parecer, grandes cangurus carnívoros percorriam a ilha.

Como é que desapareceram? O que aconteceu na escala da evolução para tirá-los da ilha? Para resolver este enigma, Flanery aplicou o conceito de pirâmide ecológica à realidade natural daquele país. Ela mostra que a população de uma espécie numa região varia de acordo com a dos animais ou vegetais de que ele se alimenta

Se existe pouca vegetação, é provável que sobrevivam poucos herbívoros e um número ainda menor de carnívoros, que deles se alimentam. Um leão africano, por exemplo, depende da carne de várias zebras, que precisam, por sua vez, de muita vegetação para se alimentar. Ora, numa população pequena de leões, qualquer epidemia ou fenómeno climático pode exterminar todos os indivíduos de repente. Isto sem contar com a própria deterioracão genética ao longo das gerações, pois animais parentes acabam por se cruzar com muita frequência, o que causa defeitos congénitos. Isso provavelmente ocorreu com os mamíferos predadores da Austrália. Apesar dos seus 7,6 milhões de quilómetros quadrados, é um lugar pequeno, do ponto de vista da vida selvagem, pois 90% de seu território é árido e sujeito a fenómenos climáticos bruscos sobretudo o El Niño. Assim, havia pouco alimento e populações reduzidas de carnívoros de sangue quente. Uma peste ou seca foi suficiente para dizimá-los. O mesmo vale para as pequenas ilhas da Indonésia, que não tinham alimento suficiente para manter o topo da pirâmide.

Resta então descobrir como os répteis predadores se safaram dessa armadilha natural. Tim Flanery tem uma resposta para isso também: o sangue frio. Sim, pois nem sempre o baixo metabolismo é uma desvantagem. Se por um lado faz lagartos e cobras serem lentos e dependentes dos raios de sol, por outro ele torna-os capazes de sobreviver com menos comida, pois não precisam de alimentar mecanismos termorreguladores no seu organismo. O dragão de Komodo sobrevive perfeitamente com 13 quilos de carne por mês, enquanto um leão ou lobo de grande porte precisa de 136. Como resultado, as populações de répteis cresceram e resistiram às eventuais doenças ou desastres do clima.


Por outras palavras, a característica que sempre levou as pessoas a considerar os lagartos primitivos pode ser a mesma que os manteve vivos e soberanos no ecossistema de Komodo e das ilhas vizinhas. Para Jared Diamond, uma boa forma de mostrar as vantagens e desvantagens entre mamíferos de sangue quente e répteis de sangue frio é fazer uma analogia com automóveis. Os leões, ursos ou lobos são como Ferraris, Porsches e Lamborghinis: bonitos, potentes, correm muito e, por isso, precisam de muita gasolina. Já os répteis são lentos, modestos, mas extremamente económicos. É fácil deduzir quem predomina durante as crises de combustível. E de alimento.

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